Campo Grande - Que o mundo está cada vez mais visual, todos já sabemos. A cada dia surge uma nova mídia social focada em imagens ou vídeos e reduzindo, consideravelmente, a quantidade de textos. Mas, diante do atual cenário, como ficam as pessoas que não enxergam ou têm baixa visão? O mundo digital está preparado para tornar seus conteúdos acessíveis a uma pluralidade de usuários?
Nem todas as pessoas que inserem conteúdo na internet se preocupam em fazer a descrição de imagens, mesmo havendo essa ferramenta nas maiorias das plataformas e redes sociais. E foi pensando em possibilitar acesso às informações presentes em imagens que surgiu o portal BocaWeb (http://www.bocaweb.com.br)
“É um projeto de inclusão, e isso fica muito claro quando pensamos que a imagem contém informações. As pessoas cegas não têm acesso a esses conteúdos se não houver a descrição da imagem. Por exemplo, muitas pessoas com deficiência visual podem ter ouvido falar no quadro Abapuru, de Tarsila do Amaral, mas provavelmente poucas têm conhecimento dos elementos presentes nessa obra de arte. Agora, com o BocaWeb, elas receberão essa informação. Além de arte, as pessoas com deficiência visual encontrarão descrição de capas de livros, logotipos, bandeiras, animais silvestres, enfim, conhecimentos que contribuem para a inclusão social, educacional e cultural delas”, esclareceu o professor Doutor Ricardo Augusto Lins do Nascimento, pesquisador e desenvolvedor do portal BocaWeb.
Transformar o que era apenas visual em texto – sem transmitir julgamentos de valor – tem sido o grande desafio de muitos colaboradores dessa plataforma inédita no país, que possui cerca de 1 mil objetos digitais cadastrados e já recebeu mais de R$ 108 mil provenientes de recursos liberados pela Justiça do Trabalho em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul.
“O Brasil tem muitas pesquisas que podem contribuir para a implementação dos direitos sociais, mas que estão sem recursos financeiros. Então, é preciso apoiar as universidades e os institutos em seus projetos. O BocaWeb tem esse papel de colaborar para que pessoas com deficiência visual tenham acesso a imagens, em igualdade de oportunidade com as demais pessoas, possibilitando que elas ampliem seus conceitos e, desse modo, aperfeiçoem a sua formação educacional e profissional”, enfatizou a procuradora do Trabalho Juliana Beraldo Mafra, que fez a indicação do projeto, junto à Justiça do Trabalho, para que o aporte financeiro fosse viabilizado.
Contribuições
Nícolas Kurz Chimenes Silva, 17 anos, é colaborador bolsista do projeto e atua como cadastrador de Objetos Digitais em Audiodescrição (ODA's) desde 2021, quando a iniciativa foi incluída como Projeto de Educação, Pesquisa e Extensão do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), campus Dourados. Segundo ele, é necessário descrever textualmente todas as imagens que transmitem informações relevantes, sejam fotos, gráficos, organogramas, ilustrações, entre outras categorias de objetos existentes ou que podem ser adicionadas ao portal.
“Após escolher uma imagem nítida do objeto que será descrito – preferencialmente com fundo branco ou transparente, utilizo uma série de ferramentas para realizar o cadastro, voltadas tanto para o tratamento de imagem quanto para o tratamento do áudio. O objetivo é entregar um material de qualidade para os usuários do site. A descrição ideal fica entre 50 e 100 palavras, para trazer o máximo de informações com a menor quantidade de texto possível”, detalha Silva. O jovem acrescenta que os objetos são ainda avaliados por outras pessoas, que relatam sugestões de possíveis melhorias, apontam erros e, por fim, validam os ODA's caso todos os requisitos tenham sido devidamente atendidos.
“Já conseguimos ajudar muitas pessoas que nunca tiveram a oportunidade de vislumbrar imagens como uma arara azul ou um beija-flor, dois exemplos de objetos sugeridos pelos revisores e pelos usuários deficientes visuais. Por meio do BocaWeb, a acessibilidade digital pode e irá ser mais divulgada e valorizada”, idealiza o cadastrador, que já apresentou esse trabalho na maior feira científica da América Latina, a Mostratec.
Deficiente visual, Rafael Renato Gazoni Moreira, 35 anos, também é servidor do IFMS, lotado no campus Campo Grande, e atua como consultor do portal BocaWeb, na avaliação dos objetos cadastrados.
“Tem sido uma experiência muito interessante, pois permite que as pessoas cegas tenham compreensão de elementos presentes no dia a dia delas. Um exemplo pessoal do que digo é que tenho duas adolescentes e um bebê. No BocaWeb, existem várias descrições de personagens infantis e, graças a isso, consigo interagir mais com o meu bebê quando ele está assistindo a algum desenho cujo personagem já esteja na base do BocaWeb. Isso também acontece com as adolescentes, pois há diversas descrições de personagens de animes e de filmes voltadas ao público jovem”, conta Rafael Moreira.
Contribuindo de forma voluntária com o projeto desde 2021, Elivelton da Silva Moreira, 17 anos, é estudante do IFMS no campus Aquidauana. “Gosto muito de ser um avaliador de objetos em audiodescrição e, enquanto pessoa com deficiência visual, acredito que o Bocaweb tenha grande importância para a nossa inclusão na sociedade, seja em conversas informais ou na interação em ambientes virtuais, como as redes sociais”, opina Elivelton Moreira.
Como tudo começou
O portal BocaWeb é produto da tese de Doutorado elaborada pelo professor Ricardo Augusto Lins do Nascimento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Em 2021, a iniciativa foi incluída como Projeto de Educação, Pesquisa e Extensão do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS).
Durante a pesquisa de doutorado, o desenvolvimento dessa plataforma de tecnologia assistiva contou com a colaboração voluntária de consultores com deficiência visual – pessoas cegas e com baixa visão – que testaram todas as versões do projeto, garantindo assim que o site fosse amplamente acessível tanto pelo computador como pelo smartphone.
Além de contribuir para a inclusão de pessoas com deficiência visual, Ricardo Nascimento explica que o projeto busca a construção de um banco de dados robusto, com pelo menos 1,5 mil objetos e que opere futuramente por meio de um ciclo de crescimento sustentável, ou seja, somente com a participação de colaboradores voluntários, em processo de aprimoramento contínuo. “Mais usuários resultam em mais colaboradores, que resultam em mais objetos, que resultam em mais usuários”, exemplificou Nascimento.
Quer ser um colaborador?
Não é necessário fazer o cadastro no portal BocaWeb para acessar os Objetos Digitais em Audiodescrição. Entretanto, para ser um colaborador, nas funções de cadastrador, revisor ou avaliador de objetos, é preciso preencher um formulário simples. Hoje, existem na plataforma aproximadamente 240 pessoas cadastradas.
Todos os usuários cadastrados têm o perfil inicial definido como “Padrão”. Dentro do portal BocaWeb, há uma área específica de treinamento, onde estão disponíveis diversos vídeos com conteúdos voltados à capacitação de pessoas interessadas em atuar como colaboradores. Superada essa etapa e se cumpridos os requisitos estabelecidos no projeto, o usuário passa a ter o perfil “Avaliador”, com acesso para atribuir conceitos e deixar sugestões para os objetos cadastrados.
Em outro processo de formação, o usuário pode ter o perfil “Cadastrador”, com acesso para cadastrar novos objetos em audiodescrição no portal. Existem, ainda, os perfis “Revisor”, responsável pela qualidade dos objetos cadastrados, e “Formador”, que contribui na capacitação de novos usuários.
Fonte: https://www.mpt.mp.br
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